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Todo povo tem direito à existência — mas não a qualquer custo (Étienne Balibar)

19 de setembro de 2024

Este “memorando”, solicitado pelos organizadores da conferência “Condições Narrativas para a Paz no Oriente Médio”, também constitui minha contribuição para o evento, organizado pelo New South Institute de Joanesburgo na série “African Global Dialogues”, entre 18 e 20 de setembro de 2024. Adaptação francesa de Étienne Balibar.

Convidado a um colóquio que ocorre neste momento na África do Sul, Étienne Balibar redigiu este texto, expondo de forma sintética suas “posições” sobre “Israel e a Palestina” — “como intelectual, como comunista e como judeu”. Com este documento contundente, Les Temps qui restent abre um espaço de debate sobre essa questão crucial e dolorosa, onde se medirá a capacidade de nossa sociedade de sustentar uma discussão à altura da gravidade dos desafios.

Expondo minhas posições

Apresentarei minhas posições da forma mais direta possível, esperando que a discussão permita os necessários nuances e complementos.

Devo começar com algumas observações preliminares:

  1. Sou terrivelmente pessimista quanto à evolução da situação na “Palestina histórica”. Em uma análise publicada em 21 de outubro do ano passado, expressei o temor de que a guerra de aniquilação lançada por Israel contra Gaza — em resposta ao ataque sangrento do Hamas em 7 de outubro — levasse à destruição total do território e de seus habitantes. Isso está se confirmando após meses de massacre, cujo caráter genocida é evidente. A cumplicidade ativa ou passiva da comunidade internacional, apesar dos apelos do Secretário-Geral da ONU, nada resolveu — começando pelos EUA, que fornecem as bombas que esmagam Gaza e vetam qualquer resolução de cessar-fogo. Os Estados árabes do Golfo e a União Europeia também têm sua responsabilidade. O povo palestino já demonstrou repetidamente sua capacidade de resistência, mas o pessimismo é inevitável. Isso não nos exime de tentar imaginar o impossível. É uma obrigação.
  2. Falo como intelectual, comunista e judeu (entre outras identidades, nenhuma exclusiva). Israel se apresenta como o “refúgio” necessário para os judeus ameaçados pelo antissemitismo, o que supostamente justificaria sua “autodefesa” a qualquer custo. Mas o neto de um deportado do Vel’ d’Hiv morto em Auschwitz não pode aceitar que a memória do Holocausto seja invocada para justificar colonialismo, apartheid, opressão e até extermínio sob o pretexto de “proteger o povo judeu”. Reconheço que essa declaração pode levantar dúvidas sobre minha neutralidade, mas nesse conflito, ninguém é neutro.
  3. Choro todas as vítimas desse conflito — mesmo aquelas que poderiam ser consideradas responsáveis pelo que lhes acontece. Isso vale para o passado, o presente e, infelizmente, o futuro, pois acredito que a catástrofe desencadeada por esta guerra ainda se expandirá, ameaçando todos os habitantes da região. Haverá mais vítimas, algumas “inocentes”, outras “culpadas”. Seus atos não se equivalem, mas suas mortes pertencem à mesma tragédia.
  4. Não estou satisfeito com a organização desta conferência. Preferiria uma narrativa introdutória diferente e outra composição das mesas-redondas. Entendo que alguns participantes tenham se retirado, mas decidi permanecer para expressar meu pensamento. Na forma atual, o evento não é equilibrado: deveria incluir juristas que prepararam o caso da África do Sul acusando Israel de genocídio na Corte Internacional de Justiça, historiadores israelenses antissionistas e representantes de movimentos pró-Palestina — não apenas defensores da política israelense, alguns dos quais advogam pela expulsão dos palestinos.

Três pontos fundamentais

1. O ataque de 7 de outubro e suas consequências

O assalto do Hamas contra vilarejos, postos militares e uma festa com milhares de jovens, envolvendo assassinatos de civis, violações e sequestros, ocorreu após anos de repressão israelense contra Gaza. Militarmente, foi possível devido à incompetência do exército israelense e à complacência do Estado com o Hamas, visto como um “inimigo conveniente”. Isso não justifica o ataque, que foi um ato terrorista — não um “pogrom” (termo enganosamente aplicado, quando os verdadeiros pogroms ocorrem hoje na Cisjordânia, contra palestinos). O Hamas sabia que seu ataque provocaria uma retaliação devastadora e assumiu o custo de sacrificar seu próprio povo para infligir uma derrota estratégica a Israel.

Do outro lado, o governo israelense — cada vez mais influenciado pelo partido dos colonos (um partido fascista) — explorou o trauma nacional para “terminar o trabalho” (como disse Ben Gurion em 1948): reignitar a Nakba, expandir colônias na Cisjordânia, apagar a história palestina e cometer um dos maiores massacres de civis da história recente. A Corte Internacional de Justiça já alertou para o “risco grave de genocídio” — risco que agora se materializou.

2. O “conflito” israelo-palestino é um eufemismo

Este conflito sempre foi profundamente assimétrico, em termos de poder e moralidade. Desde antes de 1948, os palestinos enfrentaram colonização, expropriação, limpeza étnica e apartheid. Não há simetria, e o nível atual de brutalidade não tem precedentes. Os palestinos têm direito à resistência (inclusive armada), mas nem toda estratégia é legítima.

Quanto a Israel, sua legitimidade original — como refúgio para sobreviventes do Holocausto — era condicional:

  1. Dependia da aceitação pelos vizinhos, não da usurpação de terras palestinas.
  2. Exigia um Estado democrático e laico, com direitos iguais para todos.

Em vez disso, Israel institucionalizou a discriminação étnica, o terrorismo de Estado e se colocou acima do direito internacional. A lei de 2018 que declara Israel “Estado-nação do povo judeu” consagrou um racismo de Estado, legitimando o apartheid e crimes contra a humanidade. Israel perdeu sua legitimidade histórica — digo isso com tristeza, mas sem ilusões.

3. Todo povo tem direito à existência — mas não a qualquer custo

O direito à existência inclui segurança e autodefesa, mas não justifica soberania absoluta em detrimento de outros povos. A Palestina tornou-se a terra de dois povos, e sua coexistência pacífica exigiria:

  • Um cessar-fogo incondicional em Gaza, seguido de troca de prisioneiros e administração temporária pela ONU.
  • Fim da violência dos colonos e desmantelamento gradual dos assentamentos ilegais.
  • Aplicação das decisões da Corte Internacional de Justiça, incluindo sanções e embargo de armas.
  • Reconhecimento do Estado da Palestina na ONU, como ponto de partida para negociações.

Acima de tudo, os judeus no mundo devem se dissociar da ideia de que “proteger o povo judeu” significa apoiar o colonialismo israelense. A crítica ao sionismo não é antissemitismo. O futuro do nome “judeu” na história — como símbolo de honra ou desonra — está em jogo.

 

Notas

  1. Étienne Balibar, “Palestine à la mort”, Mediapart, 21/10/2023.
  2. Críticas à conferência: Palestine Chronicle.
  3. “Universalidade da causa palestina”, Le Monde Diplomatique, maio de 2004.