
Contra-sionismo judaico? (Daniel Edelson)
Em meio ao conflito entre a Universidade Harvard e o governo Trump sobre alegações de negligência no combate ao antissemitismo, a universidade decidiu promover uma nomeação que pode intensificar as críticas: o Prof. Shaul Magid, um dos principais intelectuais judeus associados a posições de “Contra-Sionismo” — uma abordagem que busca oferecer uma alternativa espiritual ao sionismo — foi nomeado como o primeiro pesquisador permanente de Judaísmo Moderno na Escola de Teologia de Harvard.
A prestigiada nomeação é por cinco anos, com possibilidade de renovação. A decisão foi apresentada como um compromisso com a expansão dos estudos judaicos na instituição, mas gerou reações duras de membros da comunidade judaica nos EUA e em Israel.
Segundo a Universidade Harvard, esta nomeação foi justamente concebida para combater o antissemitismo na instituição. Uma comissão de inquérito formada após os eventos de 7 de outubro determinou que o “ensino politizado” em quatro faculdades “normaliza o antissemitismo” e cria um sentimento de exclusão entre estudantes judeus e israelenses. O relatório destacou que alguns professores acusam os judeus pela Nakba (catástrofe palestina) e por colaborarem com a supremacia branca nos EUA, promovendo abordagens de “des-sionização” que caracterizam Israel como um empreendimento colonial.
Magid, aos 66 anos, cresceu como secular em Nova York, imigrou para Israel aos vinte e poucos anos, estudou em yeshivas ultraortodoxas em Jerusalém e foi ordenado rabino em 1984. Posteriormente, “desencantou-se com a ortodoxia”, mas manteve-se no universo espiritual do judaísmo. Lecionou em universidades de elite nos EUA, foi pesquisador sênior no Shalom Hartman Institute de Nova York e publicou oito livros e centenas de artigos — incluindo uma controversa biografia do rabino Meir Kahane.
O cerne do pensamento de Magid concentra-se na crítica ao sionismo, que ele considera um “projeto de poder” que afastou o judaísmo de suas origens éticas.
Enquanto o pós-sionismo busca reformular ou criticar o projeto sionista mantendo certo compromisso com ele, e o antissionismo rejeita a própria existência do Estado de Israel, o “contra-sionismo” de Magid aspira substituir o sionismo por uma identidade judaica radicalmente distinta — fundamentada numa ética do exílio, em vez de em nacionalismo soberano.
Segundo sua perspectiva, Israel se transformou em um “projeto de apagamento cultural e político”, que produz supremacia judaica, dominação sobre os palestinos e desigualdade civil. “Não se trata sequer de o árabe ser visto como inimigo”, ele escreveu, “mas sim de haver uma sensação de que ele não deveria existir. Como se não fosse real”.
Em vez do Estado de Israel, Magid propõe retomar o conceito do exílio como estrutura universal para um judaísmo ético e crítico. Para ele, o exílio é o espaço onde o judaísmo floresce. Uma bênção, não uma maldição: condição necessária para profundidade cultural, pensamento crítico e rejeição ao nacionalismo extremado. “O sionismo cumpriu seu papel”, escreveu em seu último livro “A Necessidade do Exílio”, “e agora pode ser colocado de lado — assim como o colonialismo e outras doutrinas chauvinistas e etnocêntricas do passado”. Ele defende um estado binacional para ambos os povos, mas argumenta que esta não é uma solução técnica para o conflito — e sim um processo de transformação ideológica na própria identidade judaica.
A administração da Escola de Teologia apresentou Magid em seu comunicado de nomeação como um “erudito inovador”, mas fora do campus houve vozes dissidentes. O Rabino Dr. David Wolf, que atuou como pesquisador visitante em Harvard e membro do comitê consultivo de combate ao antissemitismo, expressou reservas: “Respeito Magid como acadêmico e como pessoa”, tuitou, “mas discordo fundamentalmente sobre Israel. Suas opiniões são muito marginais, e lamento que a universidade não tenha escolhido nomear alguém que reflita as posições majoritárias da comunidade judaica”.
Wolf renunciou ao seu cargo em Harvard no final de 2023, alegando que a universidade havia adotado uma ideologia que identifica os judeus como opressores. Segundo ele, o ambiente acadêmico tornou-se hostil a vozes judaicas pró-Israel.
Mesmo após o ataque de 7 de outubro, Magid continuou a gerar polêmica. “Não justifico o massacre”, escreveu, “mas também não concordo com tratá-lo como se tivesse ocorrido no vácuo. Décadas de humilhação, dominação e mortes — homens, mulheres e crianças — devem fazer parte da equação do luto”. Ele argumentou que algumas manifestações nos campi ultrapassam os limites do antissemitismo, mas não devem ser vistas como um fenômeno unidimensional: “Isso não significa que todos os protestos sejam pró-Hamas ou antissemitas por definição”.
Magid viveu em Israel por uma década, serviu nas IDF (Forças de Defesa de Israel) e considerou morar em Gush Katif. Ele descreveu seu encontro com os assentamentos como um ponto de virada que o fez repensar o papel do projeto sionista. “Tudo parecia pastoral e bonito”, escreveu, “mas quando ouvimos o chamado à oração do minarete e vimos as carroças de Khan Yunis, percebi que não estávamos realmente vendo os palestinos. Eles eram apenas pano de fundo”. Ele descreve o amor à terra como um “colonialismo romântico” que via os palestinos como parte da paisagem — “como árvores e arbustos, e não como pessoas que vivem conosco”.
O Prof. Magid rejeita a alegação de que sua nomeação foi para apaziguar as críticas a Harvard: “A ideia de que precisamos contratar mais pró-sionistas é ridícula”, disse. “Querem contratar um acadêmico? Contratem o melhor profissional”.
Título original: “Nomeação para o cargo de pesquisador do Judaísmo Moderno em Harvard gera polêmica”, in Yet, 8 jun 2025.