Sobre o autor
Conhecido na França como pedagogo, Fernand Deligny (1913–1996) preferia ser chamado “poeta e etólogo”. Durante mais de cinquenta anos trabalhou na isolada região francesa das Cevanas, num centro de acolhimento informal de crianças que não se adaptavam à sociedade: crianças delinquentes, psicóticas, autistas ou, nas palavras do pensador, simplesmente “crianças à parte”. Deligny preferia o termo “etólogo” à educador pois o utilizava como imagem para a sua forma de atuar, buscando, a todo momento, novas maneiras de dar a essas crianças uma oportunidade de sobreviverem em uma sociedade excludente e normativa. Seu método questionava a centralidade da linguagem, a educação formal e o emprego caricatural das teorias freudianas. Repudiava qualquer tipo de encarceramento, preferindo a criação de circunstâncias e de espaços para trocas e encontros. Para dar voz àqueles que são carentes de linguagem e comunicação verbal, Deligny inventou um sistema de transcrição que considerava uma de suas principais contribuições, espécie de cartografia sobre papel na qual registrava os percursos “espontâneos” da criança autista, seus hábitos, gestos e percepções, livres de qualquer desejo de representação. É desse fora da linguagem cotidiana, numa espécie de linguagem do infinitivo, sem sujeito, que o autor francês rompeu com os paradigmas de sua época e criou uma antropologia alternativa, política, a qual inventou incessantemente formas inéditas de viver junto. Por esse e por tantos outros motivos é que sua obra desperta um interesse crescente, não só em clínicos e educadores, mas também em literatos, artistas e filósofos.