BRAZUCA NEGÃO E SEBENTO
Por Clara Barzaghi de Laurentiis
“Trata-se antes de mais nada de saber o que não escrever no átrio prefacial desse texto pantofágico no qual um supostamente austero professor francês de filosofia, autoridade de renome internacional na obra de João Amadeu Pinheirinho (nomoriginal, Johann Gottlieb Fichte) entra em estado de esquizo-estupefação criativa diante da impossibilidade de domesticar pelo conceito a “condição brasileira” e se põe a divagar furiosamente a partir de um célebre episódio alucinatório do herege judeu ibérico Bento Espinosa, trans/confundindo-o para/com o estupor do Descartes leminskiano do Catatau”.
Assim começa o passeio do leitor pelo prefácio escrito por Eduardo Viveiros de Castro para o livro Brazuca, negão e sebento. Mais do que preparar para aquilo que está por vir, as páginas iniciais aparecem tomadas pelo delírio no qual embarcará Bento Espinosa ao longo do livro que, como apontou o escritor português Valter Hugo Mãe “problematiza a identidade brasileira, essa mesclagem, esse vira-latismo de que muito se fala”. E, pasmem!, o francês autor do livro parece ter mandado de volta para casa com rabo entre as pernas um outro tal francês que chamou de boca banguela a baía de Guanabara. Os trópicos abrem as pernas às paixões alegres e cheias de dentes.
E se no catatau de Leminski René [Descartes] renasce Renato ao viver o invivível, o que se lê aqui é texto-baba de Bento deglutindo uma pretensa totalidade da nação brasileira como se fora o delicioso bispo Sardinha. Na tradução traidora e antropófaga já não se sabe se é bento ou goddard ou pyaguachu quem devora ou foi devorado e se espalha sebento e brazuca pelos caminhos de, como diz Viveiros de Castro em seu alucinatório prefácio, um Brasil-1.