A cultura contemporânea sabe que nunca se atinge a plena objetividade porque há sempre uma forma de negatividade que não pode ser superada dialeticamente. O antagonismo é, portanto, uma possibilidade sempre à espreita porque a sociedade ocidental é marcada pela contingência e toda ordem é de natureza hegemônica, ou seja, manifesta cabais relações de poder. Já Carl Einstein, ao estudar a sombra, nos dizia que ela não é um duplo, mas uma das tantas emanações do homem que lhe são dialeticamente contrárias. É, portanto, um antagonismo, um signo de contradição e de metamorfose. Para Michel Carrouges, esse antagonismo manifesta-se nas máquinas celibatárias. São a sombra do moderno. Em Roussel, por exemplo, Faustine não tem nada em comum com a larva, o espectro, salvo uma relação de antagonismo, já que ela transcende sua própria natureza e dança, assim, na água da embriaguez e do esplendor. As máquinas celibatárias de Jarry também manifestam, com insistência, e talvez de modo inusitado, esse mesmo antagonismo indissociável no interior do erotismo, que Marcel Duchamp levaria a seu ponto mais alto. É bem verdade que, mais tarde, com Bioy ou Barthes, as forças contrárias já não se encontram mais em estado de recalcamento, mas de devir: nada é verdadeiramente antagonista, tudo é plural. Mas posições como as de Chantal Mouffe, hoje em dia, tornam a propor o agonismo como saída à leitura estável da máquina antropológica que lê como se tudo o que ocorre no mundo, hoje, estivesse fixado em um horizonte totalitário e estático, quando nosso atual estado de exceção nos mostra uma “guerra civil”, perpétua e permanente, em que positivo e o negativo se confrontam constantemente e cuja potência antagonista não deve dissolver-se, sob hipótese alguma, na indiferença. O livro de Carrouges, aqui vertido ao português por Eduardo Jorge de Oliveira, é um convite para tanto. [Raul Antelo]