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“A palavra que age” – medidas simbólicas indígenas contra a farsa da representação colonial

Juma Pariri

I

“Qual o real da poesia?”

Em 22 de setembro de 2013 foi realizada a ação cênica “A palavra que age”1 – medida2 performATIVA, no Parque dos Ipês, região central da cidade de Dourados/MS, como parte da programação do V Festival Internacional de Teatro de Dourados organizado pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

Tal ação (e seu registro audiovisual3) foi realizada através da co-criação entre: Valdelice Verón, Lígia Marina, Cacique Ládio Verón, liderança Jatali, liderança Amâncio, Cacique Ernesto, Sérgio Verón, Natanael Vilharva Caceres, Kellen Natalice Vilharva, Talita Verón Vilharva Caceres, Arami Verón Vilharva, Vânia Pereira da Silva, Marcos Chaves, João Dadico, Rodrigo Bento, Tom Kyo, Rony Petersom e Arami Arguello em aliança com seres humanos e não-humanos que seguem resistindo na luta contra a colonização.

Algumas das intencionalidades de seus criadores em realizar essa ação eram: 1. Chamar atenção para a invisibilidade indígena na programação do festival que está alocada numa cidade com um dos maiores índices populacionais indígenas do país formado em sua maioria pelo povo guarani-kaiowá; 2. Levantar dinheiro para compra de mantimentos para distribuição nos acampamentos guarani-kaiowás que visam a retomada e libertação da terra que estão em posse do agronegócio; 3. Denunciar as perseguições e violências sofridas pelas lideranças guarani-kaiowás pela voz delas mesmas; 4. Contribuir para a cena teatral trazendo outros conteúdos, formas, corporalidades a partir do protagonismo autoral indígena.

A ação propunha uma relação entre alguns espaços simbólicos. O primeiro construído a fim de emular uma sala de aula. O limite retangular desta sala construída ao ar livre era dado pela instalação de arame farpado (um dos elementos mais visíveis na geografia regional sul-mato-grossense por conta do agronegócio), disposição de fila de cadeiras escolares de modo que ao invés da lousa se via uma televisão. O público era convidado a se instalar nessa sala de aula, sentados nas cadeiras dispostas, depois de passarem por baixo do arame farpado. Num segundo espaço simbólico, na televisão, via- -se a página de Facebook de Lígia Marina, que estava sendo alimentada em tempo real e em diálogo com a ação de modo que o público não visse seu corpo “real”. Aqui Lígia Marina emulava um de seus papéis sociais: à época era professora substituta da Licenciatura em Teatro da UFGD além de jogar com a questão da “militância virtual”. O terceiro multidimensional espaço simbólico era dado na área fora do arame farpado que foi ocupado por um grupo composto de lideranças guarani-kaiowá, entre eles Valdelice Verón e Ládio Verón, que estavam (e seguem estando) sofrendo perseguições por quererem retomar e libertar as terras do entorno que estão dominadas pelo “agro é pop” internacional, mas que àquele momento cantavam e ensinavam àqueles que estavam dentro do arame farpado.

Essa ação não será analisada aqui detalhadamente. Para tal convidamos o leitor a assistir o registro da ação com seus próprios olhos e coração, no entanto, será apresentado mais dois elementos. O primeiro é que um dos públicos-alvo do festival era própria comunidade escolar da Graduação em Teatro da UFGD e para este público de artistas-educadores Valdelice encaminha as seguintes palavras-pedido-de- ação:

A vida em confinamento é viver sem arte, viver sem sonho, viver sem a terra. A vida em confinamento é fazer viver sem vida, a gente tem que fazer a arte falar, ser artista é fazer a arte falar e a vida em confinamento é matar a arte dentro da gente, é matar a arte dentro da vida do povo kaiowá. Então, viver a arte, fazer arte falar é ser livre e não viver em confinamento. Estar em confinamento: o que é a vida sem sorrir, o que é a vida sem viver, o que é a vida sem a arte de viver a terra, de viver na terra, na terra tradicional do povo kaiowá-guarani. Então, essa forma que nós estamos vendo e nos sentimos muito emocionados porque isso é viver em confinamento, isso é confinamento. Então agradecemos a vocês essa oportunidade, essa pequena oportunidade de ouvir um pouco do nosso canto, do nosso sorriso, que ainda resta para o povo kaiowá-guarani. A gente agradece a todos vocês: e vivam essa arte, todos os artistas. Vocês são artistas que trazem para o mundo ver a tristeza daqueles que não podem falar, o choro daqueles que não podem ser ouvidos, a voz daqueles que já não existem mais, que tombaram na luta pela terra, tombaram na luta por um pedacinho de teto, tombaram na luta pela vida mesmo, em todos os lugares deste mundo, vocês são a voz, a voz do povo é o artista. Agradeço por podermos vir e por poder estar aqui com vocês. (VERÓN, 2013, p. 61-62)

As palavras de Valdelice Verón assim, tinham público definido: ela estava falando para a categoria artística que estava presente naquele momento em maioria: aos artistas de teatro que Valdelice lança o pedido de “fazer a arte falar”. Mas o que Valdelice Verón estava querendo dizer com isso? A arte não é justamente um lugar que se fala de algo? Será que se perdeu a capacidade de “fazer a arte falar”? De que arte, quais conteúdos e como essa arte poderia falar segundo sugerido por Valdelice?

 

II

Salto de tempo (verbal) para tentar “Fazer a arte falar” – relato de vivência

O chamado de Valdelice Verón a nós, artistas de teatro, em desenvolver ferramentas artísticas para “fazer a arte falar” passou, desde que proferido por ela, a rondar meus pensamentos e práticas. Como fazer a arte falar a partir da luta dos povos originários? Acreditei que a melhor maneira de responder praticamente a essas questões seria aprender com diferentes parentes, de distintos povos, como eles mesmos fazem a arte “falar”.

À época, desde 2012, com a divulgação pública da carta guarani- kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay4 e a repercussão pública do caso (um dos maiores compartilhamentos à época do Facebook Brasil)5 começou-se uma maior ocupação do tecido virtual acerca das manifestações públicas indígenas por direitos. Assim, quando eu comecei a buscar as respostas para a pergunta de Valdelice, resolvi tomar a internet como esse primeiro atalho para um caminho maior de aprendizagem e atuação. Nesse atalho, fui encontrando uma série de imagens simbólicas, dispersas em várias partes na rede virtual, ativadas pelos povos indígenas nessas situações de manifestação e me perguntava: qual arte os parentes estão fazendo falar? Qual é seu público-alvo? Ao que essas ações simbólicas serviriam?

A hipótese, corroborando com o historiador Casé Angatú Xukurú Tupinambá (2015), é que essas ações simbólicas serviriam à libertação do espaço indígena de tudo aquilo que foi alienado de sua cultura originária ou que foi imposto pela colonização. O filósofo martinicano Frantz Fanon (1968) fala da necessidade dos indígenas, e de qualquer povo colonizado, de se libertar da violência que

presidiu ao arranjo do mundo colonial, que ritmou incansavelmente a destruição das formas sociais indígenas, que arrasou completamente os sistemas de referências da economia, os modos da aparência e do vestuário, [e que] será reivindicada e assumida pelo colonizado […] Fazer explodir o mundo colonial é doravante uma imagem de ação muito clara, muito compreensível e que pode ser retomada por cada um dos indivíduos que constituem o povo colonizado. (FANON, 1968, p. 30)

Foram tantos os aprendizados com esse primeiro momento que quis compartilhá-los através de um texto que foi disponibilizado gratuitamente também pela internet6, por meio de um pequeno arquivo memorial com imagens de ferramentas simbólicas utilizadas na luta indígena por direitos básicos num marco inicial divulgado como Abril Indígena, em 2013, até a Primeira Conferência Nacional de Política Indigenista em dezembro de 2015 (ambos eventos aconteceram em Brasília, capital do Brasil).

Um dos objetivos do texto foi construir uma ponte relacional, a ser aprofundada, entre os conhecimentos acumulados dos povos originários e os conhecimentos acumulados na área das artes cênicas destacando a contribuição da práxis dos povos originários para as artes cênicas, em especial com investigações do corpo engajado na transformação da realidade social. No entanto, um dos principais objetivos era tentar contribuir para a visibilização da causa dos povos originários, assumindo-a como causa beneficiária da própria existência humana (e não-humana), de todes (indígenas e não-indígenas), artista cênico ou não, a partir de outras formas de (bem) viver, diferentes do sistema econômico capitalista-colonial:

Há muita atenção da imprensa e da população sobre os protestos nas ruas do Brasil. O curioso é que, quando são os índios que ocupam o espaço público, apesar de todo o seu colorido, de sua fascinante diversidade, eles correm o risco de tornar-se automaticamente invisíveis. Sua dor, sua morte e sua palavra parecem não existir – ou existir apenas no diminutivo. O olhar dos não índios os atravessa. Desta vez, ainda que por instinto de sobrevivência, seria conveniente enxergá- los. Mas, claro, sempre podemos concluir que o melhor para todos nós é viver cercado de cimento, fumaça e rios de cocô. (BRUM, 2015, s/p)

 

III

Imagens que agem mais que mil palavras

Para a formação desse pequeno memorial de imagens simbólicas indígenas realizadas como estratégia de luta anti- -Colonial, selecionei fotografias de diferentes eventos compreendidos entre 2013 e 2015. Dispus cada uma das fotos acompanhadas de todos os dados encontrados sobre elas, como fotógrafo e fonte de exposição. Esta tarefa nem sempre foi simples, já que grande parte dos materiais da internet sobre as questões aqui colocadas apresentam informações insuficientes. Cada foto também foi seguida de um texto, apresentado como citação, que visa oferecer maiores explicações sobre a ação privilegiando, ainda, dentro do arcabouço jornalístico existente, textos que trouxessem o ponto de vista dos povos originários sobre a própria ação. Este foi outro desafio, pois a maioria das matérias jornalísticas na rede não apresentam o ponto de vista dos povos originários sobre as ações (aliás, muitas vezes, nem informações básicas sobre elas). O que consegui nesse sentido foi graças a mídia conhecida como independente ou por sítios eletrônicos alimentados por indígenas ou apoiadores à causa indígena. Procurei também comentar cada ação afim de tentar fazer pontes e ressignificações entre o léxico e alguns conceitos sedimentados no campo das artes cênicas e as imagens simbólicas indígenas apresentadas. Além disso, nesses comentários, também busquei contrapor a forma de agir e de se auto-governar indígena da forma de agir do nosso sistema político que se utiliza da “representação”.

Na democracia representativa nossos políticos atuariam/ agiriam em nome de seus eleitores, representando assim, em tese, os desejos destes no grande teatro político (no caso brasileiro, o palco principal situa-se ao redor da Praça dos Três Poderes em Brasília). A etimologia da palavra teatro remonta à palavra grega theatron que significaria “lugar da onde se vê” em alusão à arquibancada onde se situava o público nas arquiteturas teatrais gregas. Na democracia representativa, depois de elegermos nossos representantes, nós, seus eleitores, quase sempre somos tratados (não sem muita violência) como uma plateia que deve manter os corpos estáticos, paralisados, apenas assistindo aos mandos e desmandos dos políticos que, na maioria das vezes, não representam/agem a fim da melhoria da vida do povo que os elegeu e sim para benefício próprio e de uma elite colonial tétrica e cruel embora digam fazer o contrário.

Já nós, povos originários, nos auto representamos: tanto agindo politicamente e coletivamente em nossas comunidades quanto através de nossos corpos-alma professando imagens simbólicas quando queremos que nossos desejos, de bem-estar de tudo que é vivo em comunhão, se realizem:

na profecia indígena foram usadas outras formas de comunicação além da palavra. Essas linguagens não-verbais eram uma combinação de simbolismo e magia, comuns a muitos grupos. Sua prática se enraíza num forte desejo de ver o cumprimento daquilo que é simbolizado e no fato de se considerar que o ato simbólico influencia ou apressa o cumprimento do desejo. (CHAMORRO, 2008, p.102)

Assim, de maneira geral, percebi que várias destas imagens simbólicas vivas construídas pelos povos originários, em situação de manifestação por direitos básicos, que recolhi da internet, além de terem sido ativadas para apressar o cumprimento do desejo de outros mundos possíveis aqui e agora são capazes de revelar a farsa da democracia representativa.

Acredito, então, que essas ações simbólicas nos ensinam a “fazer a arte falar”: tanto do ponto de vista dos conteúdos tratados quanto pelo fato de ressignificarem as ferramentas artísticas disponíveis, acumuladas historicamente dentro das artes cênicas de protesto, para que possamos utilizá-las, para os fins de todas as lutas anti-Coloniais travadas pelos mais diversos grupos sociais.

Portanto, para encerrar essa parte do texto, gostaria de compartilhar uma das imagens que compõem o arquivo memorial que citei, bem como outras duas imagens que não compõem o arquivo, porém aparecem aqui apresentadas com o mesmo método supracitado para juntes aprendermos maneiras de “fazer a arte falar por aqueles que tombaram por um pedacinho de chão, por um pedacinho de terra”, para juntes lutarmos para que o chão não afunde, para que o céu não caia, para que as árvores se mantenham em pé, para que os seres humanos e não-humanos não mais tombem, ao contrário, se unam cada vez mais pelo bem-viver em todos os cantos multidimensionais desta Terra.

(para es interessades em ver a fotografia de cada uma das imagens simbólicas abaixo apresentadas, para além de sua descrição, é sugerido que acessem os endereços eletrônicos referenciados ao final deste texto)

 

outubro de 2013 – papel cenográfico

Os quase 1,5 mil indígenas que estão acampados em frente ao Congresso, em Brasília, voltaram a se manifestar na Praça dos Três Poderes, nesta quarta (2/10/13). Eles fecharam, por cerca de duas horas, no meio da tarde, o Eixo Monumental, na altura do Ministério da Justiça, e depois seguiram em marcha, passando à frente do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). Os deputados Cândido Vacarezza (PT-SP) e Nelson Pelegrino (PT-BA) ficaram parados no engarrafamento provocado pelo bloqueio dos índios. Vacarezza permaneceu no carro e conversou durante alguns minutos com os manifestantes. Ele foi criticado por causa de medidas e propostas anti-indígenas do governo federal e do Congresso. O deputado foi questionado sobre como será a tramitação do projeto (PEC 215) que está em uma comissão mista do Congresso e que pode restringir drasticamente os direitos indígenas sobre suas terras, a título de regulamentar a Constituição. Vacarezza é presidente da comissão. Ele apenas respondeu que as populações indígenas serão consultadas sobre o assunto e desconversou. O carro de Vacarezza foi enrolado com papel higiênico. Ele deixou o veículo e, cercado por manifestantes, seguiu para o Ministério da Justiça. (CIMI & SOUZA, 2013)

Uma ação que “faz a arte falar” ao transformar simbolicamente o corpo do outro. Neste caso, em fezes. O travestismo aqui não é do acionista, mas de quem se quer acionar com a ação. No entanto, a ação não revela apenas a sujeira propagada pela existência-ação de certos políticos, mas também lhes dão uma chance. Há possibilidade de escolha por parte do ‘espectador’, alvo da ação, de mudar o sentido da ação simbólica a que foi colocado – ele-político, depois disso, pode escolher entre ser a merda ou limpar a merda que fez: há bastante papel para isso. No entanto, para “limpar a merda que fizeram” será necessário outro tipo de papel, diferente do papel higiênico colocado como efeito cenotécnico na ação. Ele precisa dos papéis nobres, feitos de boa madeira derrubada. Precisa apenas de um papel e de uma caneta para assinar pela justa demarcação das terras que são, por direito, dos povos originários. Não porque esses povos reivindicam “posse em papel lavrado” das terras para ter, com seres que ali habitam, a mesma relação de uso hierárquico e escravocrata que o sistema colonial perpetra. Queremos a assinatura desses papéis para nos libertar a todes, humanes e não-humanes, dos papéis sociais a que fomos submetides.

 

abril de 2014 – “happening” indígena

Os Guarani das 6 aldeias existentes na cidade de São Paulo, ocuparam a Avenida Paulista, centro financeiro da capital. Eles exigem a assinatura do Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que irá regularizar, de uma vez por todas, a demarcação de suas terras na cidade. Para ajudar o Ministro, milhares de canetas foram recolhidas e serão enviadas ao seu gabinete. (COLETIVO RE-VIRA LATA, 2014)

Esta ação simbólica indígena poderia, dentro das linguagens cênicas, ser caracterizada como um “acontecimento” (tradução para “happening” – forma artística que imbrica artes visuais e teatro, sem texto e nem representação, com o intuito de dissolver as fronteiras entre vida e arte). No entanto, o que se visa não é a ação que está acontecendo apenas naquele momento (que também é importante dada à função de conscientização dos transeuntes da Avenida Paulista) nem só o impacto de chegar milhares de canetas num gabinete ministerial. Mas o que a ação, acontecimento, em tempo presente objetiva é a concretização, num futuro próximo, de uma luta que está sendo travada desde o passado. Assim, o corpo cênico indígena tem a capacidade de “fazer a arte falar” e nos ensinar sobre atravessar dimensões espaço-temporais. Onde está o corpo? Onde está o teatro? Aqui está: em denunciar a farsa da representação política colonial. O que falta para o político exercer seu papel social é uma caneta, já que todo o longo processo de demarcação e homologação de terras indígenas já foi realizado por outras instâncias. Então, que caiam as máscaras do velho teatro da política representativa para que se descortine outros mundos possíveis aqui e agora.

 

abril de 2017 – teatro de formas animadas ou o simbólico rito de canetas assinarem papéis para evitar mais caixões

Um protesto pacífico de mais de três mil indígenas foi atacado com bombas de efeito moral e gás pela polícia na frente do Congresso, na tarde de hoje (25/4). Os manifestantes foram dispersados após tentarem deixar quase 200 caixões no espelho de água do Congresso. Vários manifestantes passaram mal por causa do gás. No protesto, havia centenas de crianças, idosos e mulheres. Um gigantesco cortejo fúnebre tomou conta da Esplanada dos Ministérios por volta das 15h. Os manifestantes saíram do acampamento onde estão, ao lado do Teatro de Nacional de Brasília, levando os caixões e um banner com a expressão “Demarcação Já”. Eles seguiram tranquilamente até o Congresso. Os caixões representavam líderes indígenas assassinados por causa dos conflitos de terra em todo país – 54 indígenas foram assassinados em todo o país por causa de conflitos de Terra, só em 2015, segundo Conselho Indigenista Missionário. “São nossos parentes assassinados pelas políticas retrógradas de parlamentares que não respeitam a Constituição Federal”, explica a liderança Sônia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Até o fechamento desta notícia, os manifestantes seguiam cantando e dançando em frente ao Congresso. (APIB, 2017, s/p)

Devolver o peso da morte para quem as efetua. Com essa ação é como se fizéssemos a arte falar: “entulharemos de caixões o seu quintal, assassinos, para que vocês carreguem o peso real e não apenas os números (que tão pouco lhes pesa na consciência) de nossas mortes. Devolvemos a vocês esse rito fúnebre cristão-colonial de nos enterrar em caixas depois de tentar nos aniquilar com seus cavaleiros do apocalipse. Já não suportamos mais a dramaturgia colonial escrita com nosso sangue por essa liturgia bíblica.” E falamos mais, com nosso corpo, anti-dramaticamente: “temos outros mitos, ritos e risos e seguiremos cantando e dançando que é a forma simbólica que utilizamos para existir, resistir e sermos feliz.”:

A dança ritual foi a própria forma em que as rebeliões indígenas se consolidaram. Junto com o canto ela é, até os dias de hoje, o modo privilegiado pelo qual expressam sua religião. Desde os primeiros registros, é através do canto-dança que os indígenas aparecem convocando para a resistência. Desse modo, a dança ritual tradicional constitui-se em si mesma “uma afirmação agressiva de identidade frente aos invasores” e “sustenta a rebelião dando-lhe um eficiente leito simbólico e emocional, na linha da mais autêntica tradição”. (CHAMORRO, 2008, p.101)

 

1 Este título é inspirado no documentário homônimo que trata da noção de corporalidade (integrada à dança, música, representação, ritual, natureza, vida, todas as idades etc.) na etnia indígena Guarani-Kaiowá. Boa parte da comunidade Guarani- -Kaiowá brasileira vive no estado do Mato Grosso do Sul. CUNHA, Edgar Teodoro da; PIMENTEL, Spency; PUZZO, Gianni. Mbaraka – A palavra que age. Vídeo disponível em: <http://vimeo.com/34768557>. Acesso em: 28/04/21.

2 Aqui a palavra medida tem a função de evocar seu sinônimo atitude e também de fazer alusão às medidas provisórias parlamentares, assim, para estes fins a palavra teria dois sentidos políticos.

3 Este registro foi captado e editado por Wilson Barucki e está disponível em: < https:// youtu.be/Lar_LtmmVeQ>. Acesso em: 28/04/21.

4 A carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-Iguatemi/MS para o Governo e Justiça do Brasil está disponível em: <http://blogapib.blogspot. com/2012/10/carta-da-comunidade-guarani-kaiowa-de.html# >. Acesso em: 30/04/21.

5 Tão grande foi a repercussão que muitos usuários da rede trocaram o sobrenome de seus perfis pessoais para Guarani-Kaiowá em forma de apoio à referida comunidade a ponto de, em janeiro de 2013, os administradores do Facebook proibirem a adesão do sobrenome Guarani-Kaiowá aos usuários da rede alegando que este ato solidário estaria violando seus termos que seriam baseados na cultura da identidade real.

6 Trata-se da dissertação de mestrado “Nós fizemos isso para vocês, brancos, saberem que nós existimos!”: imagens de luta dos povos originários do Brasil (2013-2015) desenvolvida na Universidade do Estado de Santa Catarina com orientação de Fátima Costa de Lima e banca composta por Tereza Franzoni e Casé Angatú Xukurú Tupinambá. A referência completa encontra-se no final deste texto.

 

Referências audiovisiobibliográficas

APIB – ARTICULAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL. As imagens do grande protesto indígena. 25 de abr de 2017. Disponível em: < https://outraspalavras.net/ outrasmidias/as-imagens-do-grande-protesto-indigena/>. Acesso em: 28/04/21.

BRUM, Eliane. Os índios e o golpe na Constituição. El País Brasil. 13 de abr de 2015. Disponível em: <http://brasil. elpais.com/brasil/2015/04/13/opinion/1428933225_013931. html>. Acesso em: 28/04/21.

CHAMORRO, Graciela. Terra Madura, yvy araguyje: fundamento da palavra guarani. Dourados: Editora da UFGD, 2008.

CIMI – CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO & SOUZA, Oswaldo Braga de. Índios fazem nova manifestação em Brasília e protestos espalham-se pelo país. 02 de out de 2013. Disponível em: https://www.socioambiental. org/pt-br/noticias-socioambientais/indios-fazem-nova-manifestacao- em-brasilia-e-protestos-espalham-se-pelo-pais# . Acesso em: 28/04/21.

COLETIVO RE-VIRA LATA. Guarani Resiste! – Documentário. 30 de abr de 2014. Disponível em: < https:// youtu.be/JSSPSltanMs>. Acesso em: 28/04/21.

FANON, Frantz. Os condenados da terra. Tradução de José Laurênio de Melo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

VERÓN, Valdelice In ALMEIDA, Lígia Marina de. “Nós fizemos isso para vocês, brancos, saberem que nós existimos!”: imagens de luta dos povos originários do Brasil (2013-2015). Universidade do Estado de Santa Catarina, Centro de Artes, Mestrado em Teatro, Florianópolis, 2016. Disponível em: https://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/ vinculos/000020/00002092.pdf. Acesso em: 28/04/21.

XUKURÚ TUPINAMBÁ, Casé Angatú. Derrotar a PEC 215 é urgente, mas a luta indígena vai muito além: pela completa autonomia dos territórios dos povos originários. Índios online. 12 de nov de 2015. Disponível em: <http://www.indiosonline.net/derrotar-a-pec-215-e-urgente- -mas-a-luta-indigena-vai-muito-alem-pela-completa-autonomia- dos-territorios-dos-povos-originarios/>. Acesso em: 26/04/21.

 

AUTORA

Juma Pariri é artista além-linguagens, professora indisciplinar e aprendiz de erveira. Integra o movimento indígena nacional Retomada Kariri e é colaboradora na Associação dos Índios Cariris do Poço Dantas-Umari (Crato/CE). Atualmente desenvolve a pesquisa de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Teatro da UDESC.