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Nós, os habitantes de Gaza, estamos sendo apagados da história em tempo real (Nour Elassy)

Eu nunca imaginei dizer isso um dia, e me dói admitir, mas estou seriamente pensando em deixar Gaza. Só de escrever estas palavras, sou tomada por uma vergonha que nem consigo explicar.

Fui criada com a ideia de que Gaza não é apenas um lugar, é minha alma, minha história, minha identidade. Aqui, só vi provações envoltas em santidade, guerra envolta em calor humano, destruição cercada por um sentimento
inabalável de pertencimento.

E, no entanto, depois de tudo que sofremos — noites intermináveis de bombardeios, fome, deslocamentos, corpos soterrados sob escombros —, agora permito que um pensamento cresça em minha mente: e se eu for
embora? E não sou só eu.

Muitos de nós, jovens e brilhantes, antes tão enraizados nesta terra, hoje pensam no impensável. Sonhamos em construir algo fora daqui, porque tudo o que construímos aqui é destruído — física e espiritualmente.

Um homem que conheço passou dez anos juntando dinheiro para construir um apartamento, para que ele e sua esposa pudessem sair de um único cômodo superlotado. No dia em que se mudaram, foram deslocados à força. Dias depois, o apartamento foi bombardeado.

O que isso faz com a mente de uma pessoa? Como ainda acreditar em permanência quando ela é apenas uma ilusão? Hoje, esse homem diz que nunca mais investirá em Gaza. E eu… eu dei tanto a este país. Estudei, trabalhei, lutei para ser a voz do meu povo. Quero trabalhar com a ONU para transmitir os relatos de todas as almas esmagadas pela injustiça.

Mas como continuar carregando o peso de uma pátria que se esvazia diante dos meus olhos?

Limpeza Demográfica

Israel conseguiu — sim, digo isso com dor e sinceridade — sua estratégia diabólica de expulsão forçada. Não com caminhões e fronteiras, mas com trauma. Tornando Gaza inviável.

Eles transformaram casas em alvos, hospitais em cemitérios, escolas em ruínas. Nos deixaram famintos, deslocados, bombardeados repetidamente, até que só restasse a sobrevivência. Isso não é uma guerra, é uma limpeza demográfica — sistemática e cruel. Eles não queriam apenas nos matar, queriam matar nossa vontade de ficar. E, que Deus me perdoe, está funcionando.

Dói mais que qualquer míssil, qualquer ferida, dizer isso: eles estão nos forçando a ir embora, e nós começamos a ceder — não nosso amor por Gaza, jamais isso, mas nossa convicção de que podemos viver aqui, crescer aqui,
criar nossos filhos aqui. E essa é a arma final deles: não as bombas, mas o desespero.

Não combatidos, não deslocados, mas deliberadamente apagados. Pedaço por pedaço, corpo por corpo, cidade por cidade. O mundo assiste, as câmeras filmam, os caminhões humanitários chegam com migalhas de ajuda e logotipos coloridos — e, ainda assim, o silêncio é ensurdecedor.

Nosso povo está sendo comprimido em uma caixa cada vez mais estreita, onde já não há ar para respirar.

O que Israel faz em Gaza não é uma guerra. É limpeza étnica. É genocídio. E a comunidade internacional, envolta na linguagem da diplomacia e da democracia, não é apenas cúmplice — é responsável.

Em 20 de maio, Benjamin Netanyahu anunciou uma nova operação: “Os Carros de Gideão” — um nome bíblico para um massacre moderno. Na prática, significa a invasão militar total das últimas cidades de Gaza.

Rafah, que já foi uma bela cidade próspera, foi apagada e totalmente tomada. Khan Younis agora está sendo invadida, rua por rua. Deir el-Balah está asfixiando sob o peso dos deslocados. Eles não miraram militantes, miraram lugares. Bairros inteiros. Famílias. Futuros.

O objetivo de Israel já não é escondido. Eles querem que Gaza seja esvaziada de palestinos. Do norte à Cidade de Gaza, até o último campo em Rafah, civis são forçados a se deslocar para o sul sob o pretexto de "zonas seguras" — zonas que depois são bombardeadas. O objetivo não é segurança. É exílio. Exílio forçado.

Nosso povo está sendo comprimido em uma caixa cada vez mais estreita, onde já não há ar para respirar, até que tudo o que queremos, tudo o que pensamos, seja sair.

É isso que eles querem. Que desistamos. Que a próxima geração de palestinos — a minha — acredite que não há mais nada por que ficar. Nossas casas viraram pó. Nossas escolas, ruínas. Nossos diplomas, cadernos, sonhos, estão sob os escombros.

As aulas foram suspensas indefinidamente. Crianças não pisam em uma sala de aula há meses. Universidades foram arrasadas. É um escolasticídio — o assassinato deliberado do nosso direito de aprender, crescer, existir como seres pensantes.

E quando o mundo ousa enviar ajuda? Essa ajuda é uma miragem. São necessários centenas de caminhões diários para alimentar nosso povo. Israel só deixa passar um punhado — o suficiente para manchetes, não para sobreviver. O resto? Saqueado, muitas vezes em áreas vigiadas, ou mesmo cercadas por forças israelenses.

É um povo sendo massacrado, faminto, deslocado e apagado enquanto o mundo debate terminologias.

A ajuda é mostrada a nossas crianças famintas como isca, depois roubada. Então, é filmada e usada como arma. Como se chama um sistema que usa a fome como ferramenta militar? Não é segurança. É guerra de cerco. E é um crime.

Estamos testemunhando algo que vai além da crueldade. Crianças queimadas vivas. Perdoem minha descrição. Membros arrancados de seus corpos pequenos. Não como acidente de guerra, mas como resultado aceito. Um fato. Um custo. Isso não é um conflito. É genocídio.

Nós, os habitantes de Gaza, estamos sendo apagados da história em tempo real. E, ainda assim, nenhuma ação foi tomada. Porque o mundo trocou sua alma por política e normalização. Nos deram a escolha entre exílio e extinção.

Não escrevo estas palavras como jornalista. Escrevo como uma filha que não pode mais prometer segurança aos seus pais. Como uma irmã que ouve explosões e se pergunta se o próximo nome chamado será o nosso. Como uma estudante cuja educação virou cinzas. Como uma jovem mulher a quem dizem que merece liberdade, mas cuja vida está trancada em uma prisão. E, acima de tudo, como um ser humano gritando no vazio, implorando que alguém — qualquer um — olhe para essa verdade e não desvie o olhar.

Isso não é complexidade política. Não são dois lados. É um povo sendo massacrado, faminto, deslocado e apagado enquanto o mundo debate terminologias.

Se direitos humanos, leis e moralidade ainda significam algo, Gaza é o lugar onde esses valores devem sobreviver — ou morrer. Porque se o mundo pode nos ver desaparecer e não fazer nada, então nada do que ele diz defender é real.

Não estamos morrendo em silêncio. Estamos documentando nossa própria destruição.

Lembre-se disso: se Gaza cair, não cairá na escuridão — cairá sob holofotes, enquanto o mundo passa, sabendo e escolhendo esquecer.


 

Nour Elassy é jornalista, escritora e poetisa. Com 22 anos, estudou literatura inglesa e francesa. Nasceu e cresceu na Faixa de Gaza, no bairro de Al-Tofah, no nordeste do território. Por mais de quinze meses, ele foi deslocada com sua família para Deir el- Balah, na parte central da Faixa de Gaza. Voltou ao norte de Gaza em fevereiro de 2025, mas foi novamente deslocada com sua família no início de abril. Agora está na Cidade de Gaza. A escrita, diz ela, a salva. Pouco depois do 7 de outubro, começou a escrever poemas que tornou públicos, especialmente no Instagram.

 

Publicado no Mediapart em 31/05/2005