Nunca mais se poderá falar sobre a relação entre arte e loucura sem passar por este estudo luminoso. Ao historiar o cruzamento entre ambas as esferas, Tania Rivera se instala na terceira margem do rio: o delírio. Não lhe falta experiência clínica, trânsito nas artes ou referências filosóficas para sustentar seu ponto de vista. Na esteira de Freud e mais além, ela postula que o delírio não deve ser pensado como distorção, porém como ação – ele é uma operação do sujeito na cultura. Os desdobramentos de tal abordagem são de grande riqueza. É o próprio estatuto da loucura que se vê revirado, com sua carga histórica e científica tão comprometida. Abre-se assim o que a autora chama, tão belamente, de uma micropolítica do delírio, com incidência nas práticas estéticas. A exposição Lugares do delírio, curada pela autora, e cujas belas imagens estão aqui disponíveis, revela como podem ser questionadas as fronteiras entre normal e patológico, arte e vida, museu e mundo. Não há neste trajeto falsa isenção. Tania Rivera toma posição a cada tópico, análise, obra, situação — pois a questão é ética, sempre. Haverá postura mais digna e aguda do que essa, quando se trata do desatino e de suas expressões?
— Peter Pál Pelbart