CLOSE
Topo
Susan Buck-Morss

HEGEL E O HAITI

Uma ausência assombra a filosofia política europeia. A ausência da escravidão. Foi a partir dela que Susan Buck-Morss compôs este Hegel e o Haiti. Em sua base está uma questão a respeito do momento em que a superação da escravidão se transformou, de fato, na condição da efetivação da liberdade.

Título: Hegel e o Haiti
Autor: Susan Buck-Morss
Ano: 2017
N˚ de páginas: 128
Dimensões: 16 x 23cm
ISBN: 978-85-66943-48-1
Preço: R$ 69,00
Este momento não está nos autores liberais, como Locke, e sua complacência com a escravidão devido à supremacia do direito de propriedade. Ele não se encontra sequer no iluminismo francês, tão combativo em vários campos mas capaz de se calar de forma quase absoluta a respeito do Code Noir e da escravidão nas colônias. (…)
Mas Buck-Morss não utiliza tal constatação para deplorar todo discurso universalista como simples máscaras de interesses inconfessáveis de dominação e de opressão. Ela quer identificar o momento em que a escravidão aparece no coração da reflexão filosófica moderna redimensionando seu discurso de emancipação e este momento não será outro que a constituição de uma teoria do reconhecimento na base da filosofia social. Ou seja, trata-se de voltar, mais uma vez, a uma das páginas mais comentadas da história da filosofia, a saber, a “dialética do senhor e do escravo”, de Hegel.
Buck-Morss nos lembra como o filósofo alemão acompanhava todos os passos da revolta dos escravos no Haiti, a primeira revolta de massa a estabelecer um quadro civil geral de liberdade, o que a leva a defender que este seria um dos eixos maiores da constituição desta figura da consciência em A fenomenologia do Espírito. Ou seja, o “escravo” aqui, embora tenha um papel genérico é também uma figura concreta que procura responder a processos sócio-políticos decisivos no início do século XIX. Tal hipótese não é apenas resultado de uma arqueologia materialista que compreende o fazer filosófico como reflexão imediata sobre os impactos do presente. Ela é estratégia que visa mostrar o que pode ser uma história mundial não mais dependente de um horizonte colonial.
Neste sentido, tudo se passa como se fosse questão de afirmar que a Revolução Francesa só se transforma em fato da história mundial quando ela é apropriada pelos escravos contra os próprios senhores…
Vladimir Pinheiro Safatle

Sala‐Molins considera o silêncio de Rousseau diante dessas evi‐ dências “racista” e “revoltante”36. Tal ultraje é incomum entre auto‐ res que, como profissionais, são treinados para evitar juízos passio‐ nais em seus escritos. Tal neutralidade moral é inerente aos métodos disciplinares, que, a despeito de se basearem numa variedade de premissas filosóficas, acabam resultando nas mesmas exclusões. O historiador intelectual de nossos dias que trate de Rousseau em seu contexto seguirá as boas regras do ofício e relativizará a situação, julgando (e perdoando) o racismo de Rousseau com base no espírito do tempo, com o intuito de evitar assim a falácia do anacronismo. Ou então o filósofo de nossos dias, treinado para analisar a teoria em total abstração do contexto histórico, atribuirá aos escritos de Rousseau uma universalidade que transcende a própria intenção ou as limitações do autor, no esforço de evitar assim a falácia da reductio ad hominem. Em ambos os casos, permite‐se que os fatos incômo‐ dos despareçam furtivamente. Estão visíveis, contudo, nas histórias gerais da época, nas quais não podem deixar de ser mencionados, pois, toda vez que a teoria iluminista era colocada em prática, os promotores das revoluções políticas acabavam tropeçando no fato econômico da escravidão, de maneiras que tornavam impossível que deixassem eles próprios de reconhecer a contradição.